Ecologia Urbana

Blog da disciplina de ecologia urbana, do 5º ano da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, docência do Professor Doutor Jacinto Rodrigues

21.3.07

França - Estágio de Agro-Ecologia com Emmanuel Rolland

Pelas 10h30m da manhã do dia 21 de Fevereiro, 4ª feira, chegamos a Chapelle d’Iff, a casa do Emmanuel Rolland.
A recepção foi calorosa. Recordações da última vez em que estivéramos ali e ainda alguns minutos de conversa sobre a viagem.
Depois o Emmanuel Rolland fez-nos seguir para o seu ginásio. Iniciamos a experiência da actividade pedagógica no Centro “Petit Jardin Ecolier”. É assim o começo matinal dos cursos de formação. E nós queríamos ter uma experiência dessa formação que dura cerca de um ano, tal como Emmanuel Rolland prevê para os seus formandos nesta singular Escola de Vida, onde o ritmo das estações e o trabalho quotidiano regulam os nossos gostos e as nossas acções, num uníssono de harmonia com a natureza.
No ginásio treinam-se pequenos gestos, pequenos exercícios que relaxam e harmonizam o corpo para as tarefas, treinando os músculos e desenvolvendo gestos que melhor nos ajudam ao trabalho rural.
Numa mesa de balancé ficamos seguros pelos pés sobre uma tábua, ligeiramente inclinada a 15/20º. Depois, esta base vai basculando até ficar horizontal. Nós vamos relaxando, respirando profundamente e mexendo ligeiramente os braços. Em seguida a tábua dá-nos uma inclinação maior. Ficamos então a 40/50º, seguros pelo tornozelo, estendendo os músculos e as vértebras da coluna. Invade-nos um torpor pelo corpo. O sangue aflui ao cérebro. E nós continuamos a respirar mexendo ligeiramente os braços.
Sempre a respirar fundo vamos voltando, lentamente, à posição inicial.
Depois exercitamos os músculos das pernas, a flexibilidade nos quadris e nas ancas, a força nos braços. Por fim, relaxamos jogando uns 10 minutos de bilhar. Temos que tentar acertar mas sem concorrência. Apenas o prazer de tarambolar…
Meia hora depois comíamos pedaços de maçãs, diferentes umas das outras e com sabores também diferentes. Era a “aula” de saborear os paladares diferenciados dos vários tipos de maçãs.
Tivemos então, de seguida, uma espécie de aula teórica. Era uma conversa viva e cheia de exemplos concretos sobre a concepção agro-ecológica de Masanobu Fukuoka, uma das orientações que influenciaram a prática de Emmanuel Rolland.
Referiu-nos alguns dados biográficos: Fukuoka fez uma formação em microbiologia e especializou-se em doenças de plantas. Mas, aos 25 anos ele põe em causa a concepção da agricultura moderna que estudara. Volta então à sua aldeia e trabalha no sentido de desenvolver uma agro-ecologia, chamada também de agricultura selvagem.
A ideia básica é a seguinte: o trabalho com a natureza deve considerar-se um trabalho sagrado e isso implica um certo número de princípios que resultam duma observação consciente da floresta:
1. Não é necessário trabalhar excessivamente a terra pois ela cultiva-se a si própria, graças aos múltiplos ecosistemas de microorganismos;
2. Não são necessários fertilizantes pois um solo saudável conserva a sua própria fertilidade, graças aos ciclos e ao metabolismo circular dos nutrientes;
3. Não são necessários pesticidas pois a floresta é a mais regenerativa das formas da natureza.
Esta filosofia de Fukuoka, sempre a favor da natureza e não contra ela, confere ao homem um papel específico na agro-ecologia. O homem intervém conscientemente para fazer com que a natureza possa manifestar as suas potencialidades intrínsecas de criar, regenerar e permitir alimentar.
Depois do almoço vegetariano, fomos ver um pequeno filme sobre o trabalho e a obra de Emmanuel Rolland que a televisão francesa fizera já há algum tempo.
Em seguida, Emmanuel Rolland levou-nos à sua propriedade especial – Romançon -perto da habitação. Romançon é uma terra que herdou da família e é a base da sua investigação científica, acerca dos taludes que desenvolveu ao longo da vida.
Desde há longo anos que Emmanuel Rolland vem trabalhando nesta singular experiência pedagógica de agricultura natural.


Vários taludes foram sendo feitos junto ao vale de um pequeno ribeiro. Uma mata foi-se desenvolvendo num diálogo subtil entre a força da floresta e a pequena intervenção consciente, resultante do conhecimento botânico de Emmanuel.
A força da natureza vai fazendo crescer o matagal. Aqui e ali Emmanuel desbasta. Aqui e ali ele planta árvores de fruto à distância conveniente para que a harmonização entre as plantas não se transforme em luta pela vida. As árvores mortas que caem com os vendavais, transformam-se em biótopos de nova vegetação.
Um eco-sistema singular esta mata em que o homem intervém cautelosamente e escuta a natureza, os bichos e todos os elementos que nela intervêm.
Árvores de luz e árvores de sombra organizam-se nas clareiras e nas zonas húmidas e baixas do vale.
Árvores de folha caduca e árvores de folha perene, arbustos, fetos, cogumelos, tudo são sinfonias num jogo de forças, de simbioses, de apoio mútuo e rivalidades também.
Emmanuelle conhece essas leis, conhece a comensalidade, a predação e a solidariedade das plantas e dos animais.
O papel do homem é escutar, observar e intervir cautelosamente num jogo supremo de alquimia, participando na metamorfose desta pintura e sinfonia prodigiosa da natureza.
O conceito que desenvolveu tem a ver com a criação do “Arboretum-ecosistema evolutivo”.
Ele sabe que plantar árvores é conceber a própria evolutividade da vida vegetal sempre em mudança. É preciso pré-visualizar o que vai ser o conjunto de árvores no seu todo e ao longo do tempo. Prever daqui a um ano. Daqui a 5 anos. Daqui a 10 e 20 anos…
Plantar, semear não são gestos estáticos. É conceber o tempo agindo no aqui e agora – saber que algumas árvores vão morrer, outras crescerão enormemente. Nascerão outras árvores que o homem não plantou… E então, na acção cautelosa, a incerteza e a previsão são componentes de jogo entre o jardineiro e a natureza.
Nessa natureza onde pássaros e outros animais virão visitar e habitar.
Emmanuel reconhece no biótopo a pegada das raposas, das lebres, etc…
Aqui e ali reconhece as penas dum melro ou os dejectos de uma pomba.
Deixamos Romançon e fomos até ao Colège de la Valée de Rance, em Languenan.
Fora aí que 22 anos antes Emmanuel Rolland começara essa prodigiosa aventura de jardineiro livre.
O colégio onde ensinou as ciências da vida, torna-se um laboratório vivo do seu trabalho de ensino.



Desalentado pelo tipo abstracto de ensino e com o apoio do Director, transformou a aprendizagem num ensino vivo.
Durante 22 anos, com jovens de 15 a 18 anos, calcorreou o vasto terreno do colégio, levantando taludes de terra onde foi plantando árvores e mais árvores – cerejeiras, pereiras, macieiras, nogueiras, castanheiros, aveleiras – e nas bordas dos muros de terra, enriquecida com o “composto” fertilizante orgânico das folhas amarelecidas do Outono e de palha, foi plantando groselheiras, mirtilos, framboesas. E um bosque frondoso foi crescendo à volta do colégio, com clareiras onde as crianças têm sol e em mato mais cerrado e sombrio onde as flores vieram sulcar o solo e as árvores maiores, com os ramos entrelaçados, criaram corredores de sombra.
Em seguida, Emmanuel levou-nos até Dinan. Passou por vários viveiros e “conservatórios” de macieiras de vários tipos biodiversivos, típicos da Bretanha. Uma associação formara-se. E o seu trabalho veio a ser apreciado pelo próprio presidente da Câmara que, no princípio era um céptico da ecologia.
Depois, fomos ver um amigo que construiu uma casa ecológica. O projecto era simultaneamente dum arquitecto com o apoio de um engenheiro especialista em bioclimatização e que construiu, ali perto, a sua própria casa.
O sistema de águas residuais beneficiava da mesma lagunagem fito-depurativa. Esse jardim filtrante permitia reciclar as águas sujas.
O processo bioclimático era complexo e integrado.
O poço canadiano funcionava também como poço provençal.
O Sr. Jo Argouach era o construtor da sua própria casa. Explicou-nos que a serpentina tubular que se encontra enterrada a mais dum metro sob o pavimento cheio de argila expandida e coberto com tijolos E7 e E8 permite trazer o ar a 12 graus. Mas, graças a um pequeno conversor comandado electronicamente e ligado a um termóstato, ele regulariza a entrada e a distribuição do ar conforme o ambiente que se quer. O ar fresco que se pretende no Verão vem a 10º ou 12º. Mas esse mesmo ar vai aquecendo até à temperatura desejada, durante os dias e as noites frias de Inverno, graças ao conversor térmico e ao termóstato.
Fomos espreitar no sótão o pequeno sistema electrónico ligado ao tal conversor térmico. É uma espécie de termo ventilador que actua na regularização do fluxo de ar que vem do exterior e que passa previamente pela regulação dos 12º impostos pela massa inerte por onde passa a tubagem em serpentina enterrada no pavimento de argila expandida e tijolos de terra, acumuladores da temperatura do solo a partir de metro e meio de profundidade.


O importante do edifício era o forro interno que preserva a manutenção da temperatura interior da casa. As placas de fibra de madeira, “fermacelle”, são a base do revestimento da casa inteira que recobre uma massa de palha bem compressada. Depois, os muros exteriores feitos na base por tijolos E6 com uma tela de impermeabilização, impedem a osmose e a humidificação dos solos, especialmente durante as chuvas. Assim, a palha seca e compacta torna-se parede que é finalmente revestida por madeira de cedro vermelho.
Sobre o telhado estão os acumuladores solares térmicos que aquecem a água que circula do tecto até ao grande cilindro que se encontra no r/c e que, ligado ao sistema eléctrico, pode recorrer ao apoio da energia eléctrica para aumentar a temperatura da água, sempre que seja necessário, ainda que este sistema esteja também ligado ao fogão da sala, de grande massa inerte feito de tijolo burro e coberto com cerâmica refractária e que funciona com restos de madeira.
A tarde passou-se nestes encontros, nestas conversas e contactos especialmente úteis para o Amândio e para o Emanuel Cardoso.
Chovia agora mansamente ao entardecer da Bretanha. Por isso, chegados a casa fomos jantar uma ligeira refeição onde saboreámos uma sopa magnífica com quinoa, algas, diversos vegetais, salsa e alho.
Durante e depois do jantar abordamos temas sobre a escola de vida que estávamos a vivenciar.
Nessa noite ouvimos de Annick o relato da sua experiência no conhecimento da alma humana. Um trabalho pessoal de conhecimento e aconselhamento psico-espiritual.


De manhã cedo, o mesmo ritual. No ginásio fazíamos os pequenos exercícios físicos que depois terminavam com um pequeno relaxe, que era simultaneamente de perícia, observação e previsibilidade no jogo de bilhar. O movimento gestual, a flexibilidade dos gestos, a relação do taco com o movimento da mão e o movimento induzido pela própria esferidade das bolas. O jogo flexível e sem concorrência permitia, mais uma vez, a relaxação e os gestos precisos.
Depois dum pequeno-almoço suculento fomos para o campo com as galochas e as capas contra a chuva miudinha. Fomos retirando as castanhas que germinavam num tambor furado enterrado na terra ao abrigo de roedores.



Fizemos plantações em garrafas de plástico reutilizadas como tubos de ensaio para aí colocarmos as sementes. Depois, os aceleradores dos garrafões onde foram plantadas estacas resultantes da poda das macieiras, nogueiras, etc.
Fazer os buracos, enfiar os aceleradores e meter os rebentos que germinavam já nos “tubos de ensaio”, retirando a garrafa de plástico, tudo isto exigia perícia e o sentido de cada gesto. Cobrir os lugares plantados com gravilha para aumentar a porosidade da terra e para que esta se mantenha quente no Inverno.
Depois, fomos trabalhar nos taludes. Transportar os ramos, colocá-los na parte superior do talude. Fixá-los com uma estaca espetada no solo, tudo isto leva o seu tempo. Perceber as relações entre as árvores e os arbustos fixados na crista do talude.


Perceber o ecotipo criado pelos ramos secos, protecção e nicho dos taludes, fixação de futuras plantas como os mirtilos e groselhas, é uma espantosa actividade rural na previsão da metamorfose das plantas.
Recolhemos o material na carroça e fizemos o circuito à volta da quinta onde encontramos as lagunagens e a casa de palha, feita segundo a técnica Nebraska. Dali ao local da permacultura foi um ápice.
Vimos o “multching” cobrir a terra. Semeamos “capucine” para que a terra ficasse enriquecida e livre de outras ervas indesejáveis para as culturas previstas.
Tudo isto foi uma iniciação à actividade rural.
E, numa horta ao lado, num campo experimental, fomos ver a plantação de árvores segundo a orientação radiestésica e onde também se usavam espirais de cobre como propôs Lakhovsky.
Estudava-se também a influência de cabos de alta tensão sobre as árvores aí plantadas.
Em casa, a Annick tocou-nos, no piano, uma pequena sonata.
E o Emmanuelle com vasos de metal e gonzos orientais, fazia ressoar sons estranhos. Era como se um eco longínquo vibrasse lenta e pausadamente sobre nós.
Depois do almoço ainda conversámos sobre auto-conhecimento e auto-desenvolvimento. O que é o conhecimento justo?
A explicação mecânica, a percepção sensorial, a aproximação sentimental, a abordagem social, a reflexão intelectual e o olhar ideológico são apenas abordagens fragmentárias do real. O olhar global destes pontos de vista pode permitir um conhecimento mais aprofundado mas que, certamente, ainda terá que ser inspirado, imaginativo e pleno de intuição para que as soluções provisórias possam ser contudo avanços no saber.
Na hora da partida, bebemos uma taça de chá de 3 anos e comemos uma tarte de maçã.
A tarde anunciava já uma neblina que descia e quando nos despedimos foi grande a emoção da despedida. A Escola de Vida marcara-nos para sempre.



Texto de Jacinto Rodrigues


Fotos de Amândio Silva e Emanuel Cardoso