Ecologia Urbana

Blog da disciplina de ecologia urbana, do 5º ano da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, docência do Professor Doutor Jacinto Rodrigues

9.3.08

Encontro com Pierre Rabhi

Pierre Rabhi nasceu na Argélia, num pequeno oásis do sul.
Muito novo moveu-se entre duas culturas. Preservando as suas raízes duma família sufi, argelina, foi educado por um casal de professoress franceses após a morte de sua mãe.
Em 1958, tendo vindo muito novo para França com os pais adoptivos, conheceu a vida operária numa fábrica de Paris mas acabou por vir a instalar-se numa província do interior, Ardèche, com a sua família, tornando-se agricultor. Orientando a sua actividade rural durante 25 anos para a agro-ecologia, tornou-se num “expert”. Veio a ser consultor de organizações internacionais e divulgou os seus conhecimentos em agro-ecologia em diversos países africanos. Ao longo da sua actividade como consultor, forneceu utensílios teóricos e práticos para a autonomia alimentar das populações, procurando reconciliar a actividade humana com a natureza.
Em 2002 lançou o “apelo para uma insurreição da consciência” e foi candidato alternativo às eleições presidenciais francesas. Tal como em 1974, Renné Dumont, célebre engenheiro agrónomo e pioneiro da ecologia, teve grande impacto sobre a vida política convencional. A problemática agro-ecológica tornou-se, a partir de então, objecto de debate alargado aos cidadãos.
A importância de Pierre Rabhi, cuja obra científica e literária é já reconhecida no mundo, está no facto de se engajar numa prática de vida, num ensino da frugalidade feliz que o tornaram numa figura emblemática: um novo Gandhi dos nossos dias.
As ideias-base de Pierre Rabhi podem resumir-se à:
- Não violência;
- Pertença inter e transcultural como atitude nova dum universalismo concreto, alimentado pelas experiências singulares vividas;
- Recusa do dogma do crescimento e defesa de um decrescimento na área das tecnologias contaminantes e de esgotamento;
- Recusa de uma modernidade em que se “vive para trabalhar em vez de trabalhar para se viver” e duma “civilização de combustão triunfante” da termodinâmica dissipativa que enjeita a realização criativa do trabalho manual e intelectual.
Rabhi desenvolveu uma acção em várias frentes. Da problemática altermundialista à intervenção local, abrangendo experiências em locais diversos como França, Marrocos, Burkina Fasso, etc. Pensar e agir criando alternativas participadas.
A palavra de ordem do movimento “Terre et Humanisme”, de que é Presidente de honra, consiste em promover experiências exemplares de agro-ecologia por todo o território - criar “um oásis em cada lugar”.
O movimento “Terre et Humanisme” tem apoiado inúmeras iniciativas em África e na Europa. Tem desenvolvido acções de formação, particularmente em agro-ecologia e na pedagogia social. Tem-se oposto à introdução de Organismos Geneticamente Modificados (OGM) levando a cabo acções comuns, com várias organizações, contra as multinacionais responsáveis pela introdução dos OGM. Pierre Rabhi tem trabalhado em cooperação com a Universidade “Terre du Ciel” e tem sido uma voz activa na política favorável à consciência ecológica. Veja-se, o livro que escreveu, recentemente, com Nicolas Hullot . Trata-se de uma importante contribuição na ecosofia.
Por outro lado, encarando uma actividade prática, Pierre Rabhi realiza projectos-piloto em Marrocos, Burkina-Fasso, Mali, etc.
Actualmente, em cooperação com Michel Valentin, participa no projecto “Les Amanins”, escola de vida, quinta experimental educativa, cujo objectivo central é formar agentes de eco-desenvolvimento, dotados de intrumentos teórico-práticos para a mudança do paradigma.
No dia 22 de Agosto de 2007, depois de atravessarmos a pequena vila de Lablachère, seguimos para a casa de Pierre Rabhi, situada no lugar de Montchamp. É nesse lugar que se situa a quinta de Pierre com uma casa de construção vernacular onde encontramos a Michele Rabhi. O Pierre ainda não chegara duma reunião em Mas de Beaulieu.

A Michele mostrou-nos a pequena escola Montessori, construção pré-fabricada de madeira, que desde há 5 anos tem sido o local de trabalho de Sophie Rabhi, filha do casal. A quinta permite um contexto de apoio à formação educativa da escola. Assim, o pomar, a horta agro-ecológica, o galinheiro e as cabras constituem um complemento essencial à escolinha “Jardin d’enfants”. As crianças têm um contacto directo com o mundo rural e os produtos da quinta ajudam a complementar a alimentação das crianças.
Entretanto começamos a conversar com uma das educadoras. Ela explicou-nos: “A metodologia de ensino Montessori é amplamente articulada com inovações que surgem no contexto da quinta agro-ecológica praticada por Pierre Rabhi e também pelo olhar de novas experiências pedagógicas”.
Fomos ver a construção de uma “yurta” em lona que viera articular-se, com a sua forma redonda, à construção funcional e rectangular dos 2 pavilhões pré-fabricados em madeira.

Por outro lado, a sanita seca mostra a integração da escola no mundo rural, permitindo, no processo agrícola, a compostagem de dejectos humanos e outros nutrientes orgânicos como fertilizantes da terra. Revela-se assim o conceito de Lavoisier: na natureza nada se perde, tudo se transforma.
O “cabanon de la colère” é uma pequena cabana, um pouco isolada em que as crianças, quando estão muito excitadas, são convidadas a extravasar as suas energias e pequenas raivas. Uma espécie de catarse voluntária para acalmar os mais excitados e facilitar o ritmo da aula.

Entretanto chega o Pierre Rabhi. Recordamos a viagem a Marrocos, o estágio em agroecologia na aldeia de Kermet Ben Salem. E enquanto caminhávamos pela quinta, o Pierre relatava os programas internacionais do trabalho da Associação “Terre et Humanisme” em Marrocos, no Mali, no Senegal e Burkina Fasso.
Pode-se resumir assim a sua estratégia:
1) A mudança a partir da situação concreta em que se vive;
2) Ter consciência clara de que a felicidade terá de ser conquistada por nós mesmos;
3) Haver uma mudança essencial sobre a visão do mundo. A agro-ecologia poderá tornar-se no factor de harmonização do homem com a natureza, graças a uma ecotecnologia e a uma ecosofia.
Pierre Rabhi desenvolveu algumas ideias sobre a necessidade de se internacionalizar este conceito de criar “oásis em todos os lugares”.
Em seguida voltamos a revisitar o trabalho de Pierre Rabhi em França.
Relatou-nos a actividade desenvolvida já ao longo de anos na sede do movimento “Terre et Humanisme” em Mas de Beaulieu, onde os estágios de formação em agro-ecologia constituem a estrutura principal do trabalho.
Em 2008 irão fazer-se estágios de 6 dias:
- 14 a 19 de Abril
- 12 a 17 de Maio
- 30 a 5 de Julho
- 15 a 20 de Setembro
- 6 a 11 de Outubro
Nestes estágios dá-se uma formação abrangente de agro-ecologia:
- História da agricultura do neolítico até à actualidade;
- Noções de permacultura e biodinâmica;
E procede-se a uma prática de agro-ecologia:
- Trabalho de fertilização optimizada de solos, irrigação, compostagem, etc.
Tínhamos visitado o Mas de Beaulieu há já alguns anos. Mas, durante o ano de 2007 deu-se um salto qualitativo. Passaram pelo trabalho agro-ecológico da sede do movimento “Terre et Humanisme” mais de 200 estagiários e 160 cooperantes voluntários.
Neste período construiu-se um poço canadiano, um armazém agrícola, refizeram-se muros e plantaram-se novas árvores de fruto.
Importa referir ainda a cooperação de Pierre Rabhi no projecto intergeracional do Hameau des Buis, loteamento ecológico em torno de uma quinta agroecológica educativa. Este projecto nasceu da filha de Pierre, Sophie Rabhi e do seu marido Laurent.

A experiência de Les Amanins é uma outra iniciativa de cooperação conjunta entre Pierre Rabhi e Michel Valentin. Estes dois homens descobriram uma complementaridade que os consolidou em torno de um mesmo projecto - um centro agro-ecológico.
Num terreno de 55 hectares vai realizar-se uma experiência bio-económica onde a prática agro-ecológica se articula com uma actividade pedagógica em torno de uma escola com crianças e também à volta de ateliers de formação para adultos.
O coração do projecto é a quinta agro-ecológica . Mas também a escola do colibri, dirigida por Isabelle Peloux.

Este centro vai tornar-se uma experiência exemplar, formativa, demonstrativa e criativa para a necessária mudança de paradigma.
Será uma eco-escola em França, ao serviço de uma visão internacional do ecodesenvolvimento e da paz.
A visita que fizemos levou-nos às várias estruturas já construídas. Um centro de recepção, a futura padaria e cantina e os vários ateliers ligados à actividade agro-ecológica e à escola.
A bioconstrução integra-se num vasto plano de logística para ateliers, alojamento e protótipos de energias renováveis.
Entretanto, o Boletim de “Terre et Humanisme” tem-se expandido cada vez mais relatando além das actividades do Mas de Beaulieu os trabalhos realizados no domínio internacional.
Assim, dando provas de uma abertura intercultural e transcultural, Pierre Rabhi desenvolve a sua actividade numa perspectiva internacional e local.
São vários os países africanos onde existem, desde alguns anos, experiências exemplares orientadas segundo o trabalho de Pierre Rabhi.
A experiência no Burkina Fasso, em Goron Goron, com a implantação de um centro agroecológico, baseou-se nos recursos endógenos e na participação das populações. Tornou-se um exemplo internacional para um outro modelo de ecosustentabilidade para África.
O livro “Offrande du Crepuscule” descreve, em detalhe, esta experiência notável.
A actividade do movimento “Terre et Humanisme” alastrou-se ainda a outros países. Assim, tivemos o privilégio de vivenciar a experiência da aldeia de Karmet-Bensalem, em Marrocos onde se explicita esta prática agroecológica e de participação social criando locais demonstrativos de formação e reprodução de ecotécnicas ao nível da irrigação, compostagem e das hortas experimentais. Criam-se vários sistemas agro-ecológicos que vão desde celeiros, taludes, valados de irrigação anti-erosão, mini-crédito, etc.

No Mali, na aldeia de Tacharan, criou-se também um centro agro-ecológico, articulando várias actividades culturais como alfabetização, formação do associativismo nas mulheres e actividades de bioconstrução.
Actualmente, no Senegal, mais de 20 hortas associadas e articuladas ao Centro agro-ecológico experimental, permitiram já a formação de mais de 800 pessoas em ecodesenvolvimento. Realizaram-se 5Km de diques de irrigação anti-erosão e desenvolveram-se actividades pedagógicas com crianças e adultos.


Jacinto Rodrigues